Afasta de mim este cale-se

Este é o blog do projeto de extensão "Afasta de mim este cale-se". Aqui publicamos artigos, crônicas, comentários mais informais e análises da cobertura da mídia sobre a questão dos Direitos Humanos, ontem e hoje. Além disso, divulgamos eventos que tenham algum vínculo com o tema. O blog é um espaço que criamos para estreitar os laços com nossos leitores. Leia, sugira, comente! NÃO SE CALE!

Nome:
Local: Niterói, Rio de Janeiro, Brazil

23.6.07

Impunidade aumenta o número de crimes no campo

publicado em O Globo O País
Rio de Janeiro, RJ - sexta-feira, 22 de junho de 2007

Pistolagem no campo se alimenta da impunidade

Tatiana Farah

SÃO PAULO

A impunidade dobra o número de crimes no campo. A avaliação é do ouvidor do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Gercino José da Silva Filho. O último balanço da Comissão Pastoral da Terra (CPT) confirma a injustiça nos rincões do país. Em dez anos, os conflitos de terra saltaram de 658, em 1997, para 1.212, ano passado. Desde 1985, foram mortos 1.465 trabalhadores.
Apenas 20 mandantes e 71 executores foram condenados. Nem todos estão presos; muitos fugiram ou aguardam em liberdade julgamento de recurso.

— Se não fosse a impunidade, avalio que a violência diminuiria mais de 50%. Em muitos casos, as pessoas cometem o crime confiando que não vão ser punidas — diz o ouvidor, para quem uma das soluções seria a criação de Justiça especializada em questões agrárias, assim como polícias Militar e Federal agrárias.

O balanço de 1.465 mortes no campo em 20 anos, segundo a CPT, pode ser apenas pequeno retrato da realidade.

O número foi apurado pelos núcleos da Pastoral, da Igreja Católica, em todo o país, e é base para estudos de outros movimentos sociais e ONGs de direitos humanos internacionais.

— Esse balanço é praticamente simbólico. O número de assassinatos no campo é muito maior.

Não estão contabilizados casos de chacinas no interior da floresta, de expansão da fronteira agrícola, quando trabalhadores são assassinados e jogados nos rios, em cemitérios clandestinos, ou são queimados. Esses registros nunca chegam até nós — diz o coordenador nacional da CPT, o advogado José Batista Gonçalves Afonso, que trabalha em Marabá, sul do Pará.

— A impunidade é uma licença para matar. O pistoleiro que assassina aqui hoje, e não é punido, amanhã continua à disposição para cometer outros crimes, em outras regiões — diz o coordenador da CPT, para quem a impunidade, associada à morosidade na reforma agrária, é a responsável pela violência no campo: — O governo faz uma reforma agrária de resultados, que só responde na base da pressão.

Só ano passado, segundo a CPT, foram assassinados 39 trabalhadores rurais (em 2005 foram 38). Houve outras 72 tentativas de assassinato, num aumento de 177% em relação ao ano anterior (26). Em 20% dos 1.212 casos de conflitos de terra, seja pela posse ou pelo uso, estavam envolvidas populações indígenas ou quilombolas (remanescentes dos quilombos). Ano passado, por exemplo, toda a comunidade quilombola de São Malaquias foi despejada do município de Vargem Grande, no Maranhão. O despejo judicial nem sequer aguardou o velório do chefe de uma das famílias.

— Há muitas situações de impunidade, mas, desde 1996, quando foi criada a Ouvidoria Agrária, posso dizer que isso mudou: nenhum caso que tenha motivação agrária fica sem abertura de inquérito — diz o ouvidor.

Os números do órgão diferem dos da CPT. A Ouvidoria registrou sete mortes ano passado, mas outras 46 ainda estavam sob investigação policial para saber se havia ligação com questões agrárias.

Situação é mais grave no Pará

O estado onde a questão é mais grave é o Pará. De 1971 a 2006, foram assassinados 774 trabalhadores. Desses casos, 70% dos inquéritos não foram abertos ou concluídos pela polícia.
Nos casos que resultaram em processo criminal, apenas cinco mandantes foram julgados e condenados — dos quais, quatro ou fugiram ou aguardam recurso em liberdade e apenas um cumpriu pena. São processos que se arrastam por décadas nos tribunais.

No Pará, o assassinato da irmã Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005, revoltou o mundo e resultou em um julgamento que pode ser considerado “relâmpago” para padrões brasileiros: em pouco mais de dois anos, quatro de seus cinco assassinos foram condenados e estão presos.
— No caso dela, nos ajudaram muito a repercussão internacional e a nossa tentativa de federalizar o crime.

Embora o julgamento tenha ocorrido na Justiça do Pará, acabou indo mais rápido do que se imaginava por causa das pressões internacionais — conta o coordenador da CPT.

A vida da irmã valia, no mercado da pistolagem, R$ 50 mil. Os assassinos ganham de R$ 500 a R$ 100 mil para matar padres, advogados, sindicalistas, sem-terra e índios.

A cabeça mais “valiosa” hoje é a do frei francês naturalizado brasileiro Henri des Roziers: R$ 100 mil. Aos 73 anos, ele vive em Xinguara, município que já foi recordista de assassinatos no Pará nas décadas de 80 e 90. Frei Henri, assim como o bispo do Xingu, dom Erwin Kräutler, e a sindicalista Maria Joel Dutra da Costa, viúva do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, José Dutra da Costa, assassinado em 2001, são algumas das pessoas que vivem sob proteção policial.

LEIA TAMBÉM:
Famílias sofrem com a perda de parentes e a ameaça constante