Afasta de mim este cale-se

Este é o blog do projeto de extensão "Afasta de mim este cale-se". Aqui publicamos artigos, crônicas, comentários mais informais e análises da cobertura da mídia sobre a questão dos Direitos Humanos, ontem e hoje. Além disso, divulgamos eventos que tenham algum vínculo com o tema. O blog é um espaço que criamos para estreitar os laços com nossos leitores. Leia, sugira, comente! NÃO SE CALE!

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Local: Niterói, Rio de Janeiro, Brazil

9.7.07

Entrevista com Marcelo Freixo

Fonte: site do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro

Segurança Pública

Dia 27 de junho de 2007 se tornou uma marca triste na história da segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Nesta data, 1350 policiais, civis e militares e soldados da Força Nacional de Segurança invadiram o conjunto de favelas do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, num dia de violência sem precedentes na história da comunidade e do Estado. Dessa ação, chamada pelas autoridades de “megaoperação”, resultaram 19 mortes oficiais e quatro prisões, além de muitos feridos. Mas essa ação policial se iniciou antes, no dia dois de maio com um cerco ao conjunto de favelas do Alemão e da Penha. Em dois meses completados no dia dois de julho, o saldo era de 43 mortos e 81 feridos.

Sobre essa política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, e também sobre a “megaoperação” policial no dia 27, conversamos com o deputado estadual Marcelo Freixo, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e com histórico na defesa dos direitos humanos.

Na conversa, por telefone, Freixo afirma que com a política de segurança pública atual, o policial age como se estivesse no Iraque. Em visita ao complexo do Alemão, ele contou alguns relatos de moradores, que denunciaram abusos nas ações policiais e questiona a titulação de guerra para a situação do Rio de Janeiro.


Como seria uma breve análise da segurança pública hoje no Rio de Janeiro?
A política de segurança do Rio mostra uma continuidade dos governos anteriores, que é baseada no discurso de guerra, de letalidade, focando o combate ao crime nas favelas. Agora eles repetem o mesmo erro, que reforça a criminalização da pobreza. Essa operação no complexo do Alemão é um símbolo dessa política, a maior operação policial que já ocorreu no Rio. Matam 19, prendem quatro, saem de lá e não há qualquer resquício, não há um policial lá dentro, uma escola aberta sequer, apenas a contagem dos corpos.

Você esteve no dia seguinte (quinta-feira, dia 28 de junho de 2007) à "megaoperação" no Alemão. O que viu e escutou nessa visita?
Essa ação aconteceu na quarta-feira à tarde, por volta das duas horas, em uma localidade que tem aproximadamente 180 mil pessoas. Nesse horário, qual a quantidade de pessoas que costumam circular por lá? É uma situação alarmante. Estivemos lá no dia seguinte pela manhã e não encontramos um policial, uma escola aberta. A única coisa que vimos foi o nível de revolta dos moradores, diversos relatos de abusos da ação policial: casas destruídas, portas arrombadas, comércios saqueados, relatos incríveis, como o de uma criança de três anos que veio falar comigo que roubaram seus brinquedos. Também relatos de carros e rádios de carros roubados. Um senhor que teve sua Kombi utilizada para carregar corpos pelos policiais, depois de utilizado teve seu veículo queimado. E principalmente relatos sobre as circunstâncias das mortes. Claro que alguns foram mortos em confrontos, mas muitos foram eliminados, inclusive a facadas.

Um erro cometido por parte da imprensa é ver se os mortos tinham antecedentes criminais. Mesmo tendo antecedentes, ele poderia estar ou não vinculado ao tráfico. Isso é condenação perpétua. Assim como quem nunca teve antecedentes criminais poderia estar envolvido nos confrontos. A circunstância pela morte que é determinante: um tiro de perto na nuca é eliminação, independente dos antecedentes dessa pessoa.

A declaração do governador Sérgio Cabral, de que as pessoas têm que se acostumar com essa guerra (em especial os moradores da Zona Sul), por que essas operações vão continuar, é preocupante?
Essa declaração de que a Zona Sul tem que se preparar para a guerra é uma tolice que não tem tamanho. Esse discurso de guerra, essa lógica bélica, de eliminar o inimigo, isso que faz com que um policial tenha o sonho de ir para o Iraque. Na verdade, ele age na favela como se estivesse no Iraque. O policial não se vê como um instrumento da segurança pública.

Essa denominação de guerra, tanto pela imprensa como pelo governador seria ideal?
Por trás desse tipo de denominação existem outros tipo de recados, como a eliminação de direitos fundamentais em determinados locais. Você desconsidera a necessidade do cumprimento da lei em determinadas localidades. Com esse discurso não se constrói metas, perspectivas. Se você não tem o Estado presente, não tem metas, não tem perspectivas, de nada adianta. Fica claro a construção do inimigo: sei a cor que ele tem e onde ele mora. Temos um verdadeiro genocídio contra o jovem, negro, morador de periferia e não há nada sendo feito para tentar reverter essa situação, para conter essa violência.

O que a Comissão de Direitos Humanos da Alerj está fazendo nesse sentido?
Estamos remando contra a opinião pública. E infelizmente o governo está se pautando pela opinião pública. Nós esperávamos um governo menos covarde, que construísse uma opinião própria. Hoje [dia 03/07/2007] estamos indo à Secretaria de Segurança Pública para discutir as denúncias que ouvimos na visita de quinta-feira [dia 28/06] e no sábado [30/06] e esperando o resultado dos laudos médicos. Ontem [02/07] estivemos presente em uma reunião na Ordem dos Advogados do Brasil.

Sabemos que estamos contra a opinião pública, mas esse é o nosso papel, de construir uma sociedade pautada pela valorização da vida e no respeito aos direitos humanos.